Mar 19th, 2010 by M.J. Ferreira
Hoje é Dia do Pai.
Há já 9 longos anos que o meu pai faleceu mas, como diz T. Campbell, “viver nos corações que deixamos atrás de nós, isso não é morrer.” E ele vive. Na minha memória que recorda o exemplo de homem que ele era. Bom marido, bom pai, bom avô, bom amigo…
Com ele podia-se contar. Era íntegro e honesto. Trabalhador, leal e sem qualquer pingo de vaidade. Orgulhoso da família que era a sua, defendia-a com unhas e dentes. Homem honrado, não era de muitas falas mas quando as palavras ficavam por pronunciar, os seus olhos começavam e terminavam as frases que ficavam por dizer.
Num dos últimos cartões de Dia do Pai que lhe ofereci ainda lhe pude dizer que o amava. E no seu último dia de vida, o sorriso que fez para a minha mãe quando ela lhe leu o versículo bíblico que lhe dava força (Js 1:9 – sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor, teu Deus, é contigo por onde quer que andares), acabou por ser o que me deu força a mim para suportar a separação física, ao mesmo tempo que descansava na paz interior que se alcança com as certezas da esperança futura.
Hoje é Dia do Pai. Físicamente, o meu pai já não está presente mas a saudade é a maior prova de que o passado valeu a pena.
Há algum tempo atrás foi publicado no Mística, revista oficial do SLBenfica, um texto de José Fialho Gouveia, que é uma homenagem a seu pai, o saudoso Fialho Gouveia, apresentador de rádio e TV.
Guardei o texto para o poder publicar no blogue no Dia do Pai. Não interessa se pensamos, ou não, o mesmo acerca da morte. Quando o li, comoveram-me as palavras deste filho, francas e sentidas. Foi esta “a carta” que ele escreveu:
“Tu e eu em cada golo”
“Não acredito na vida depois da morte. Mas, de cada vez que as bancadas da Luz se agitam e gritam golo, gosto de pensar que, algures, o meu pai continua a levantar os braços, a sorrir e a abraçar quem ao lado dele estiver a assistir ao jogo. Quantas e quantas vezes não nos vimos nos braços um do outro, empurrados pela cabeça do Rui Águas, pelo instinto do Magnusson, pela genialidade do João Vieira Pinto, pela magia do Rui Costa, pela subtileza do Nuno Gomes e por tantos predicados de tantos e tantos outros. E, também, quantas e quantas vezes não voltámos para casa cabisbaixos, muitas vezes em silêncio, numa cumplicidade encarnada, depois de um ou outro deslize.
O meu pai morreu a 2 de Outubro de 2004. Chorei. Muito. Nessa manhã. Ao longo do dia. No velório. À noite na cama. Em muitos dos dias que se seguiram. Mas – esta é a mais pura das verdades – houve um momento em que as lágrimas correram mais densas do que nunca. Mais carregadas de saudade. Aconteceu quando o carro funerário, que transportava o corpo em direcção ao Cemitério dos Olivais, passou em frente à nossa Luz. Pode parecer incompreensível e irracional, mas a noção de que não mais voltaria àquele estádio com o meu pai e a consciência de que nunca mais poderia festejar com ele uma vitória apertou-me demasiado o coração. Foi nesse instante que verdadeiramente se abateu sobre mim a noção de perda.
Meses depois, no final dessa época, seríamos campeões. Estava no estádio quando o Luisão empurrou a bola para o fundo da baliza do Sporting e nos colocou muito perto do título. Sentada ao meu lado estava a minha mãe e, atrás de mim, um amigo que me abraçou e me disse em êxtase: «Este é para o teu pai! Este é para o teu pai!». Senti nos lábios o toque de uma lágrima. Tinha um travo a alegria e a saudade ao mesmo tempo. Imaginei o abraço do meu pai. Vi o seu sorriso. Senti a sua felicidade.
Quando por fim festejámos o título, na última jornada, estava no Funchal. Fui ver o jogo sozinho a um bar na marginal. Ao soar do último apito as ruas encheram-se de uma euforia vermelha. Por impulso pedi duas cervejas e dirigi-me para a praia. Brindei em pensamento com ele. Voltei a abraçá-lo e festejámos juntos. Ainda tenho uma pequena pedra vermelha que descobri na areia e que trouxe como recordação dessa noite. Mais uma vez senti nos lábios um misto de alegria e de saudade.
Quem o conheceu sabe o tamanho que o coração do meu pai tinha. A ternura dos seus gestos. A bondade dos seus actos. Sofria a bom sofrer com o Benfica, desesperava com as bolas no poste, rejubilava com as vitórias, entristecia com as derrotas, mas sabia sempre reconhecer o mérito dos vencedores. Também no futebol, como em tudo na vida, foi um homem bom e apaixonado. Devo-lhe esta deliciosa doença que é ser benfiquista, mas também lhe devo o desportivismo que julgo ter. E, ao Benfica, devo incontáveis momentos passados entre pai e filho. Obrigado, Benfica. Obrigado, pai. E – julgo que citaste estes versos de Camões no discurso que fizeste na inauguração do novo estádio – “se lá no assento etéreo, onde subiste, memória desta vida se consente”, também sei que te recordas de mim em cada golo.”