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A família deixa (deixou?) de ser um espaço de cumplicidades
November 5th, 2009 by M.J. Ferreira

Quando olho à minha volta, uma das coisas que mais me preocupa é a forma como a educação se tem desenvolvido. Não estou a falar, pelo menos agora, sobre os manuais ou os currículos escolares ainda que neles a qualidade seja um dos factores mais importantes, a par de profissionais responsáveis que os ponham em prática duma forma que motive e responsabilize os seus destinatários. Não é para menos, os miúdos vão ser em alguns anos o futuro deste país.

Agora, falo das bases, dos alicerces, da própria família e até parece que os pais se andam a portar pior que os filhos.

Freud disse uma vez que “a educação consiste em saber como dar à criança a quantidade certa de amor”. Se lermos esta frase com atenção e concordando ou não com ela, seja qual for a nossa religião, sexo ou raça, não nos deixa indiferentes. No entanto, nos nossos dias dar a quantidade certa de amor tem-se revelado uma dor de cabeça para pais e filhos ao mesmo tempo.

As famílias hoje, para além dos problemas financeiros, dos medos e ansiedades que um emprego precário acarreta, debatem-se com a falta de tempo. E esta falta de tempo repercute-se a nível familiar onde os nossos compromissos como pais e educadores são vencidos pelo cansaço, stress, rotinas e sei lá mais quê. Lentamente temo-nos afastado das responsabilidades e substituído o amor por coisas práticas que os miúdos desejam e apalpam.

Até na mesa das refeições notamos o afastamento. Até porque na maior parte dos casos as refeições são acompanhadas por ruídos de fundo: telenovelas, futebóis, notícias e imagens chocantes, etc., etc.

Perde-se (perdeu-se?) a capacidade de partilhar os bons e os maus momentos do dia, de dialogar, de expressar os nossos sentimentos. A situação piora um pouco se na família, os horários a cumprir por cada um, não permitem que se sentem todos, calmamente, à mesma mesa.

A família deixa (deixou?) de ser um espaço de cumplicidades, com pontos de referência comuns, para ser um espaço onde cada um fala uma linguagem que não é entendida pelos outros. E é muito triste quando numa mesma família parece que todos falam estrangeiro entre si.

A família parece unida, vivendo na mesma casa, mas quantas vezes não estão os miúdos fechados no quarto ou em frente do televisor ou, simplesmente, deambulando por aí na escola da vida, procurando as referências certas para sobreviverem no futuro, de uma forma melhor que o exemplo que vêem em casa?

Se calhar, nós, os pais, até achamos que esta forma de estar é prática. Se calhar, já tivemos tantas chatices no emprego, nos transportes, na caixa do correio com as contas que acabaram de chegar que a nossa cabeça está a arrebentar. Depois, os miúdos só fazem reclamações, exigências, barulho…

Deixamos que as coisinhas pequenas se transformem em autênticas bolas de neve. Depois ficamos surpreendidos com a falta de rendimento escolar, com a linguagem que usam, com a falta de disciplina, com a falta de hábitos, com a hora a que se deitam, com os filmes que vêem, …

Que fazemos?

Quantas vezes lhes exigimos que sejam os melhores (esses são os que não dão problemas!) e não aplaudimos os seus esforços que não dão mais que um “Satisfaz”?

Quantas vezes não responsabilizamos a escola, os professores, a igreja – se a frequentamos, e até o próprio governo por aquilo que são as nossas responsabilidades?

Quantas vezes não somos demasiado permissivos como forma de compensar os erros que cometemos e tardamos a reconhecer? Em vez de segurança e responsabilidade bombardeamos os miúdos com gritos, ralhos e ameaças que incentivam a discórdia, atitudes de protesto e uma revolta latente.

Quantas vezes não escolhemos transformar o nosso amor, a simples palavra “amo-te” ou como se diz em português “gosto muito de ti” numa atitude permissiva onde a palavra “não” há muito foi abandonada pelos traumas que julgamos pode causar? Quantas vezes para compensar a nossa falta de tempo não vamos fazer mais um sacrificiozinho e compramos a PlayStation, aquele jogo ou a Barbie dos bebés tão desejados? Sacrifício atrás de sacrifício e eles não entendem.

No entanto somos nós que não entendemos que eles e elas apenas querem ser eles próprios. Querem ser amados pelo que são e crescer úteis e felizes, com um tempo certo para cada coisa.

O mais giro é que os miúdos quase sempre deixaram uma pista, deram-nos todas as indicações que precisavam da nossa ajuda e nós, com a nossa falta de tempo, não percebemos e ignorámos os sinais.

Se pensamos que as diversas crises de crescimento como “a idade da prateleira”ou a adolescência passam e explicam todas as coisas “chatas” e desagradáveis e esperarmos calmamente sentados pode ser tarde.

Não podemos “abandonar” os nossos filhos, o futuro deste país, por mais tempo. Até porque eles se apresentam grandes Schwarzenegers em casa e com os amigos mas a realidade é que são uns anõezinhos na vida.

“Percamos” tempo a ouvi-los. Arranjemos espaço e oportunidade para o diálogo. Descubramos o prazer de sermos pais responsáveis que naturalmente erram. Quando falhamos, que o pedido de desculpas seja algo que faz parte intrínseca do nosso vocabulário. Depois, não permitamos que as nossas frustrações, aquilo que nós próprios não conseguimos, lhes seja exigido.

Façamos-lhes a carícia que eles, mesmo espigadotes com a “crista” a crescer acham “careta” mas adoram. Reaprendamos o hábito dos passeios, da história ao deitar ou das histórias da família. Não permitamos que os nossos filhos cresçam órfãos de pais vivos. Reaprendamos a ser pais. No nosso lar já começou a grande aventura que é criar o futuro de Portugal.

Na Bíblia está escrito: ensina à criança o caminho por onde deve andar e quando for velho ainda continuará a andar por ele.

É só preciso aprendermos a dar-lhes a quantidade certa de amor.

“Não são as ervas más que afogam a semente, mas sim a negligência do lavrador” – Confúcio


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