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Flamenco e fado
Aug 31st, 2010 by M.J. Ferreira

Já me tinha esquecido que vos tinha prometido o show de flamenco, quer dizer… as impressões sobre o mesmo. Também não admira! Quando se regressa de férias há tantas coisas para arrumar, lavar, etc., etc.

O show foi muito bom. As diferentes “compas” (estilos rítmicos), as palmas ritmadas e os movimentos de dança básicos, aliados às castanholas em algumas músicas, tudo elaborado, coreografado e maravilhosamente executado com “ganas”, com raça.

A soberba expressão corporal dos bailarinos incutia orgulho, fogo, elegância, perfeição, paixão e delicadeza. Muitas das músicas flamencas ainda reflectem o espírito desesperado, a luta, a esperança, o orgulho e as festas nocturnas da uma época conturbada da História de Espanha.

O flamenco, ainda tão tradicional na Andaluzia, é o retrato de um povo ardente, fervoroso, com raça, orgulho e distinção. Com origens ciganas e mouriscas, o flamenco ainda hoje influencia outras regiões de Espanha e a sua música.

De certa forma é assim que vejo os espanhóis. Um povo orgulhoso, garboso, elegante. Pensei em nós, portugueses e lembrei-me de algumas características tão comuns que se reflectem igualmente no nosso canto tradicional que fazemos como ninguém: o fado.

No fado, temos o destino e a triste sorte, as traições, o sofrimento, a saudade de tempos passados ou de um amor perdido, a tragédia, a desgraça, a sina, a dor, o amor e o ciúme, a cidade e as misérias da vida e sempre o destino, essa sucessão inevitável de acontecimentos que inibem o desenrolar feliz dos amores acalorados.

Não é em vão que, noutros tempos, os fadistas trajavam de negro. Porque é no silêncio da noite, com todo o mistério que a envolve, que se deve ouvir, com a “alma que sabe escutar”, o fado que nos fala dos sentimentos profundos da alma portuguesa. Como é costume dizer-se, é este o fado que faz chorar as guitarras…

De certa forma é assim que vejo o meu povo. Abraçado à triste sorte do destino, à espera de uma manhã de nevoeiro que traga cavalgando D. Sebastião no seu cavalo branco.

Mas D. Sebastião somos todos nós, os que não se conformam com a sina da desgraça e não cruzam os braços perante a impotência dos políticos.

Aliás, porque somos igualmente um povo generoso e solidário, todos temos um pouco de D. Sebastião. Por isso temos que continuar agarrados ao dedilhar das guitarras do nosso fado, ferindo os dedos com a força que nos impele a cantar o destino da liberdade que não viola a dignidade humana, o destino da cidade que se ergue e se reproduz num amanhã de esperança, o destino das crianças e dos que estão por nascer rumo a uma sociedade mais justa, mais fraterna e cheia de amor.

Adorei o show de flamenco e tenho no coração que bate forte e entusiasmado o fado português capaz de fazer vibrar a alma e capaz de nos levantar à conquista do amanhã sem medo da triste sina do destino.

“Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e, principalmente, com o amor.” (Cícero)

Nota: Em Setembro, de 15  a17, pelas 21h30, no Teatro Nacional S. Carlos decorre o 3º Festival Flamenco Lisboa.

Momentos de euforia
May 11th, 2010 by M.J. Ferreira

Portugal vive momentos de euforia. Ainda não se refez das comemorações benfiquistas sobre o campeonato nacional ganho depois de um jejum de cinco anos e aí está novo banho de multidão nas ruas de Portugal.

A euforia e alegria deste povo português ganha hoje novo fôlego. Aterrou de manhã em Lisboa José Ratzinger, o homem que a Igreja Católica Romana aclamou como o Papa Benedictus XVI que, em Português, foi traduzido como Bento XVI. Sou insuspeita para falar desta viagem. Embora cristã, não me identifico com a identidade papal nos termos que a Igreja de Roma estabelece. Para mim, enquanto estudiosa da Bíblia e da Palavra de Deus nela contida, não cabe um Papa como chefe da Igreja de Cristo.

O “chefe”, ou “pedra angular”, como esta pessoa é identificada no texto bíblico, é Jesus Cristo (Ele é “a pedra angular no qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor” (Ef. 2:21)). Não pode haver qualquer tipo de dúvida nem qualquer negociação acerca disso.

Jesus, ao ser referido como a pedra angular, isto é, a pedra fundamental que forma o ângulo externo de um edifício e é colocada no ângulo de encontro de duas paredes, mantendo-as ligadas, indica que Ele é a pedra fundamental sobre quem foi construída a Igreja de Deus, ou seja, o edifício espiritual que serve para morada de Deus em Espírito. Sobre ele há outras pedras, os apóstolos e os profetas (cfr. Ef. 2:20), e todos aqueles que crêem, de acordo com o que está escrito: “Vós também, quais pedras vivas, sois edificados como casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Ped. 2:4-5).

É interessante notar, ao estudar-se o texto bíblico, que esta pedra foi rejeitada pelos edificadores, isto é, pelos principais sacerdotes, pelos escribas e pelos Fariseus, antes de se tornar a pedra angular da Casa de Deus. Igualmente interessante, é que, enquanto para os cristãos, Jesus é a pedra angular, eleita e preciosa; o texto bíblico diz que, para aqueles que não crêem em Jesus Cristo, esta pedra angular é uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo (cfr. 1 Ped. 2:6-7). Não é muito diferente nos dias que correm.

Não quero perder-me num debate teológico. Mas realmente o facto de não me identificar espiritualmente com o papel do Papa Romano, não quer dizer, que não possa apreciar a enorme erudição deste homem que está no trono de Roma. Gosto de apreciar os seus textos enquanto Teólogo e não sou hipócrita ao ponto de, mesmo não me identificando com o catolicismo romano, não perceber e não aplaudir alguns dos seus textos teológicos, bem como a tentativa de limpeza dentro da instituição católica romana, face a diversos escândalos vindos a lume nos últimos tempos. Podem dizer-me “ele foi um dos que tentou abafar os escândalos noutra época”. Será. Isso apenas prova que ele não passa de um homem e, como homem, capaz de decisões boas e más, umas acertadas e outras totalmente erradas.

No entanto, se outrora optou por uma posição que estava errada, isso não o impediu de humildemente reconhecer a dimensão do erro e começar a agir em conformidade. Só assim, é possível uma outra vivência mais de acordo com o comportamento que Jesus ensinou. Reconhecer, assumir e mudar o que está mal. Todavia, também não me sai da cabeça que, em cada instituição, seja ela a família ou outra maior, há, na grande maioria das vezes, um certo paternalismo que leva a “proteger” os seus membros, habitualmente através de atitudes conotadas com o silêncio envergonhado que não denuncia, que cala e se pretende se deixe evaporar no tempo.

Depois, não se enganem os críticos da Igreja em relação aos ataques desferidos nos últimos tempos, essencialmente por causa dos crimes de pedofilia. Infelizmente, eles existem não apenas no seio da Igreja de Roma mas, também, no seio de outras religiões (cristãs e não só) e espiritualidades, tanto quanto na sociedade laica. Não se faça o exorcismo de fantasmas culpando quem está mais a jeito. Antes, se fortaleça a dignidade humana desde a concepção e se promova o ensino da cidadania no sentido de que a “vítima” seja a primeira a não calar, a não temer, a não se envergonhar e a gritar bem alto toda a baixeza e afronta a que foi sujeita.

Portugal vive momentos de euforia. No futebol, o Benfica é campeão. O Papa Bento XVI chegou hoje como peregrino de Fátima. Há tolerância de ponto para os portugueses poderem fazer parte desta visita. Portugal está entusiasmado. Portugal por breves momentos está arredado do Portugal real. Este é o fado do nosso destino: Futebol, Fátima e mais uma vez, não escapamos ao Fado (do destino).

Segue-se, com certeza, um aumento de impostos…


(foto in: http://www.estadiodragao.com/sera-engenheiro/)

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