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Homeless
January 21st, 2010 by M.J. Ferreira

“Homeless” é a palavra inglesa para uma categoria de pessoas que não têm uma residência permanente; porque não a podem pagar ou, porque são incapazes de manter de forma regular e segura uma habitação adequada ou, ainda,  simplesmente têm falta de uma casa para pernoitar.

Durante a semana, conforme descrevi, vi muitos. Carregavam malas de viagem consigo e “acampavam” na praia, nos jardins debaixo das árvores, encostados às fachadas dos prédios. A maior parte deles perdeu a família, perdeu empregos, são resultado do “stress” económico que se sente por todo o lado. São apoiados com uma espécie de plano, que os acomoda, à medida das possibilidades, em abrigos o mais parecido com habitações familiares (também reparei nelas), o que tem dado alguns resultados encorajadores, uma vez que muitos conseguiram uma reabilitação para a sociedade vindo, depois, a trabalhar como voluntários nas organizações que os ajudaram.

São pessoas sem casa, sem uma habitação permanente e muito do que necessitam passa efectivamente pelo calor de um lar. Depois, aprendem a cuidar de si próprios, a como “suportar” as despesas inerentes à habitação e às necessidades do dia a dia. São pessoas que deixaram de ter, que deixaram de ser, que estão sem amor próprio e com a sua dignidade escondida por detrás das roupas quantas vezes uns números acima. Não digo que não existam mas, nas muitas dezenas que se cruzaram comigo, não vi nenhum usar calão ou estar embriagado. Grande parte, penso que serão recuperáveis. Depois do abrigo proporcionado por organizações ou por uma assistência social responsável,  muitos querem voltar a ser, querem voltar a ter e querem saber conservar. Sabem dar valor ao que, por variadíssimos motivos, um dia perderam.

Por baixo da minha casa existe uma cervejaria. Todos os dias a partir do meio da tarde, este local de comércio enche-se de homens, a maior parte deles casados, que começa o convívio com uma “bejeca”. Ostentam as suas barriguinhas, algumas monumentais, para beber umas minis, umas imperiais, e outras misturas que lhes apareçam pela frente. Usam com alguma frequência uma linguagem de calão capaz de fazer corar um “fanático” da bola a assistir ao futebol no seu próprio estádio. Passam aqui horas, muitas vezes com carros a tapar o acesso à rua e se alguém chama a atenção recebe um chorrilho de obscenidades. Parece que só se sabem divertir desta forma e com estas maneiras. Não são todos assim mas… há um grupinho deles, que são sempre os mesmos, que quando se vão embora, se aqui estivesse uma Brigada de Trânsito, não iam de certeza no seu carro para onde quer que fossem.

Não se pense que sou púdica e tenho orelhinhas sensíveis demais para certa linguagem. Não se pense que não gosto de passar tempo com os amigos, inclusive a comer uns petiscos e beber qualquer coisa.  Nada disso. Quer-me  é cá parecer que determinadas pessoas confundem um pouco comportamentos e maneiras de se exprimirem e acabam a roçar o limiar do grosseiro.

Podem perguntar-me: mas o que é que a descrição dos sem abrigo tem a ver com isto? Se calhar nada. Se calhar os primeiros ainda estão demasiado frescos na minha mente e por isso, hoje, uso-os para os comparar com estes “abrigados” que povoam a minha rua. Os primeiros vagueiam depois de terem perdido o que alguma vez possuíram. Contam as estatísticas que muitos anseiam o calor e o repouso de um lar aconchegante, uma família ou a recuperação daquela que ficou para trás, a auto-estima e a dignidade que merecem enquanto homens. Os segundos vagueiam depois de algumas horas no trabalho, ou não, ostentando as marcas dos seus automóveis (alguns com carros da “casa”) e os seus “galões”, sejam eles a pronto ou a crédito.

Não quero ser rude, arrogante ou presunçosa mas tenho sérias dúvidas que “os sempre os mesmos”, após as horas que permanecem no local consigam a dignidade de sentimentos que os impeçam de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém; tenho alguma dificuldade em acreditar que possam perceber, com lucidez de espírito, o verdadeiro significado de uma esposa e de filhos em casa, de uma mãe à espera, de uma família que precisa deles a tempo inteiro para conversar, brincar, partilhar o bom e o menos bom, para abraçar, beijar, sorrir e chorar quando é preciso. Estes, não são sem abrigo mas são aquilo que eu chamo os patriarcas de famílias órfãs de chefes de família.

Não se pense que sou moralista mas assistir, como algumas vezes assisto, a cenas tão grosseiras e muitas vezes de grande indelicadeza é deveras confrangedor e incómodo.

Os primeiros deste “post” são “sem abrigo” por não terem casa mas quererem. Os segundos acabam por ser uns “abrigados desabrigados”  porque têm um lar mas preferem “la bodega”.


One Response  
  • Raquel writes:
    January 24th, 2010 at 10:17 pm

    Agora percebo tanta questão…Compreendo bem este tema e não podia estar mais de acordo com a comparação. Pior que ser “sem abrigo” é ser “abrigado” e não dar valor a isso. Não respeitar. E se acrescentarmos ao desrespeito à própria família, o desrespeito aos que os rodeiam, então é ainda mais hedionda a tamanha estupidez que alguns indivíduos carregam consigo. Os “sem abrigo” carregam a sua própria dor, mas não a má educação…

    Que terá acontecido esta semana para que tenha havido esta publicação?Deixem-me advinhar, outro circo em que as atracções principais são “ursos” vestidos de homens a partilhar a sua chinfrineira ao som dos copos cheios da bela da cevada…Talvez, é só um palpite…Cheers!


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