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“Há pessoas que nunca sonham com um mundo mais justo”
November 3rd, 2009 by M.J. Ferreira

Um pequeno texto para crianças de Leif Kristiansson chamado “Arriscar”, escreve a determinada altura: “Há pessoas que nunca se interrogam sobre o que se avista do alto de uma montanha ou sobre se é possível lançar o disco a 100 metros de distância. Essas pessoas nunca arriscam… Há pessoas   que nunca perguntam qual é a causa da pobreza ou porque é que as pessoas parecem infelizes. Essas pessoas nunca arriscam… Há pessoas que nunca tentam modificar o que está mal ou modificar-se a si próprias. Essas pessoas nunca arriscam… Há pessoas que nunca sonham com um mundo mais justo nem com a liberdade e a paz. Essas pessoas nunca arriscam… Felizmente  que algumas pessoas são capazes de arriscar.”

Relatórios que têm vindo a público sobre a Segurança Interna dão conta que a actividade criminosa em Portugal está a envolver cada vez mais violência. Ao que parece, grande parte dessa actividade criminosa é acompanhada pelo uso de armas (arma branca ou de fogo), havendo a ideia de que está a aumentar o número de armas de fogo em circulação no mercado ilegal.

Mesmo que não tivéssemos acesso a relatórios oficiais, assistindo diariamente aos diversos noticiários ou lendo os jornais com mais ou menos atenção, as notícias que envolvem violência saltam dos écrans e das páginas impressas, salpicando-nos com a leveza do incómodo que provocam  e que serve, ou servirá, para tema de conversa na mesa do café. Aí, quais Sherlock Holmes daremos palpites, conduziremos  investigações e chegaremos a conclusões.

Depois, o facto de lidarmos com toda esta exposição mediática da violência tem-nos provocado uma certa indiferença. A nossa sensibilidade está de tal forma perigosamente narcotizada que, mesmo em relação às crianças que nos rodeiam, oferecemos jogos onde apenas chegarão ao fim e ganharão bónus se forem matando pelo caminho os opositores. Matar é a palavra de ordem e não é de ontem nem hoje a célebre frase pronunciada nas brincadeiras dos mais pequenos:”pum, pum, já te matei!”. Quem sabe, não fazemos parte deste grupo, onde de forma inocente oferecemos aos miúdos a escolha de matar para ganhar e sobreviver até ao fim. Ou mesmo, não fazemos parte de um outro grupo.

Daqueles que, zelando pela sua segurança e a dos seus, obtém, ou pretende obter uma armazita para prevenir quaisquer tipo de problemas. Não é para usar, é só para intimidar em caso de necessidade… Publicado no Jornal de Notícias de 2 de Novembro de 2009, um artigo intitulado “Insegurança leva quase 4000 a pedir armas de defesa”, de Valentina Marcelino leva-nos a perceber que “em pouco mais de dois anos quase quatro mil portugueses sentiram que precisavam de uma arma de defesa pessoal.”

Não deixa de ser preocupante este tipo de notícia. Por um lado, podemos estar a contribuir de forma ingénua para o cultivo da violência desde a mais tenra idade e, por outro, verifica-se que material de defesa é considerado imprescindível a nível pessoal por diversos sectores de actividade.

Entretanto, ficam as estatísticas onde os  números da criminalidade são tão preocupantes quanto inquietante é a diversidade dos crimes. Lembro-me de ter lido sobre um homem que aparentemente sem motivo tinha abatido a tiro várias pessoas numa cerimónia religiosa. Ou a notícia da criancinha de quatro anos  que foi à mala da mãe de onde tirou uma pistola com que atingiu o irmãozito de 2 anos. Ou aquela do polícia atingido a tiro quando fazia a ronda com um companheiro. E quem não se lembra de manchetes que relatavam como numa escola diversas crianças tinham sido atingidas por um adolescente confuso ou a dos gangues armados que aterrorizavam cidadãos? No meio de tudo isto, alguns crimes não são denunciados, outros ficam impunes. Noutros, ainda, o pavor de vinganças e represálias abafa e sufoca o grito de justiça.

Não deixa de ser preocupante que muitos delitos fiquem por delatar e que o medo asfixie argumentos e substitua a razão. Muito provavelmente um dia destes chovem mais debates, discutem-se as ideias, reestruturam-se leis, criam-se Institutos, arranjam-se desculpas para o facto do sistema não responder eficazmente e outra vez se mergulha no vazio das perguntas sem resposta ou das respostas que não encontram as perguntas que devem ser feitas.

Entretanto, não deixa de ser preocupante que cada vez menos se confie nas Instituições e se possa pensar em fazer justiça pelas próprias mãos. Mas, também, não deixa de ser preocupante que para tudo se arranjem bodes expiatórios e depois se lave as mãos como fez Pilatos.

A actividade criminosa aumenta e aumenta a violência. Que fazer? Mais polícias? Mais vigilância? Segurança privada? Não tenho as soluções. Não sou Deus. Mas uso a inteligência e o espírito que Ele me deu e que me distingue dos animais para não me acomodar à passividade do triste fado do destino.

Como cidadã escuto os problemas e desafios do contexto onde vido e trabalho e arrisco. Persisto em perguntar Porquê? Para quê? Arrisco encontrar razões, desajustamentos e atacar pela raiz. Prevenindo! Começa em mim, na minha família, no meu bairro, no meu trabalho…

Arrisco sonhar com um Portugal diferente, mais justo, onde cada um, de forma pró-activa, aceita e assume as suas responsabilidades. Sei que as mudanças acontecem! Antes de tudo o resto porque acreditamos nelas! Arrisco acreditar.

Arrisco SER, saber quem sou, o que faço aqui e para onde vou. Insisto arriscar em cada dia que passa interrogar-me sobre o que se avista para lá da montanha. Só vou saber, só saberemos, depois de começarmos a escalada.


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