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Eu não assino
January 14th, 2013 by M.J. Ferreira

O meu pai, apesar de ser uma pessoa humilde, com os estudos básicos, era um mestre na sua profissão e um homem íntegro e honesto. Ensinou-me muita coisa. Duvido que nos tempos de hoje compreendesse a vaga de greves que ataca o operariado porque a sua ética de trabalho e a sua sanidade não se compadecia com panriasse, madraços ou interesses de alguns.

Gostava de o ver fazer as coisas em casa. Extasiada, olhava e admirava a técnica que empregava no manuseamento dos mais diversos materiais. Enquanto apreendia as coisas próprias de menina, aprendi a manusear o martelo, a serra, a electricidade. Adorava ajudá-lo a soldar peças de metal. Dificilmente ele compreenderia os jovens de hoje habituados a terem tudo feito e sem saberem manusear uma chave fendas ou abrir um buraco na parede com o berbequim. Talvez sorrisse com o seu sorriso malandro por ver tantos possíveis talentos desperdiçados em anos de mestrados e doutoramentos porque, nos tempos que correm, todos querem ser doutores. Diria ele, da mula ruça, porque deixámos de ser analfabetos mas somos analfabrutos, cultural e intelectualmente pobres.

A honestidade, o viver de acordo com as necessidades e possibilidades foi exemplo com que cresci. Os partidos ditos da esquerda radical, com a mania que têm subsidio-dependente do Estado, tenho a certeza que os consideraria um bando de lacaios e bons malandros com vontade de ir para o poleiro.

A solidariedade e o ajudar sem olhar a quem era algo que praticava e que me despertou o gosto pelo voluntariado e pelo olhar o outro como um igual. Nunca foi preciso a democracia para me passar os valores básicos do humanismo.

Nos seus tempos de jovem foi um futebolista que representou as cores do S.L.Olivais e era conhecido pelo “Gasogéneo”. Parece que tinha um génio temperamental e corria muito. Dele, veio o meu gosto pelo desporto que pratiquei amiúde, com características semelhantes, embora não tivéssemos as mesmas preferências clubísticas ao nível do futebol.

Sempre tivemos animais domésticos. Daí, de vez em quando, dar-me um gozo extraordinário” e, do nada, fazer uma capoeira e “criar” umas aves que depois consumimos gulosos.

Foi também um caçador que me habituei a acompanhar e ajudar na preparação dos animais caçados que necessitavam ser depenados ou esfolados antes de serem acondicionados na arca congeladora. Aprendi a aceitar não o poder “seguir” nas caçadas porque, com bastante pena minha, às meninas naquele tempo, não lhes estava destinado o papel de caçadoras. A caçadeira e o coice que atirava era coisa para barbas rijas.

Os cães faziam parte da casa. Fiéis e amigos. Morriam de velhos. Aprendi a respeitá-los e a ser respeitada por eles. Porque o meu pai sempre dizia que se mordessem alguém, se atacassem um ser humano, o seu instinto animal prevaleceria sobre qualquer lógixa ou educação e o pior, como uma tragédia, poderia acontecer. Nesses casos, o animal deveria ser abatido porque o risco era grande e alguns deles têm geneticamente a agressividade muito marcada. Abatido, não por vingança, represália, justiça ou desaforo; antes, porque o risco era grande e, por muito que nos custasse, essa deveria ser a nossa atitude. Uma atitude de coragem perante a impotência de controlar os instintos naturais, espontâneos e independentes de um cão. Outra coisa seria irresponsabilidade.

Anda por aí uma petição que visa suspender o abate de um cão que foi parte importante ma morte de um bebé de 18 meses. Não assino a petição. Não só pelo que o meu pai me ensinou mas, igualmente pelo motivo de que, na referida petição, nem a morte da criança é lamentada, nem uma palavra de conforto é dada aos pais. Para eles, certamente, o importante era poderem continuar a imaginar e realizar os sonhos que já teriam começado a poetizar para aquele menino. Vê-lo crescer, ir para a escola, rir, chorar, brincar, correr, começar a namorar, ter a sua vida, casar, ter filhos, … Se foram negligentes com a criança ou em relação ao animal estão a sentir neste momento a maior de todas as dores que existem no mundo. A morte de um filho é perfeitamente contra as leis da natureza.

Empolar a vida do cão e menosprezar a vida da criança realça apenas que a ordem dos valores na sociedade em que vivemos está completamente de pernas para o ar. Não foi isto que o meu pai me ensinou.


2 Responses  
  • Alzira writes:
    January 18th, 2013 at 6:14 pm

    Eu adoro esta Zé.Sempre atenta ao que se passa à sua volta e com as palavras sempre certinhas para cada ocasião.
    Obrigada amiga, por ser como é . Tenho o maior dos orgulhos em pertencer ao seu grupo de Amigos .
    Beijinhos grandes da Vó Zira.

  • M.J. Ferreira writes:
    January 22nd, 2013 at 11:01 pm

    Ó Vó Zira então anda por aqui na internet? Pois seja bem vinda e obrigada pelo seu comentário. É um assunto que, do meu ponto de vista, ilustra o quão baixo estão os valores da sociedade no início do séc. XXI. Sem querer ser melhor que ninguém, recordo Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons” e, por isso mesmo, não posso ficar calada perante o que julgo ser uma total imoralidade, um enorme desrespeito pela dignidade humana e pela lei em vigor que, no caso concreto, decreta o abate do animal. E vai sendo assim que minorias que desconhecem o significado de viver em democracia vão levando a água ao seu moinho


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