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Desculpem lá qualquer coisinha
April 20th, 2012 by M.J. Ferreira

Ontem, naquele que foi um gesto inédito da monarquia espanhola, o Rei Juan Carlos pediu desculpa pela participação na caçada aos elefantes no Botswana onde veio a fracturar a anca. “Sinto muito, equivoquei-me e não voltará a acontecer”, disse o Rei numa declaração gravada à saída do seu quarto no hospital onde esteve internado.

O monarca, de 74 anos, que fez as declarações com semblante sério, disse, para além do desculpem lá qualquer coisinha…, que está “muito melhor” e que deseja retomar as suas obrigações. Até ontem, ninguém se lembrava de episódio algum no qual um rei espanhol teria pedido desculpas pelo seu comportamento. É triste! Reis, príncipes e afins são pessoas como nós. Simplesmente, nasceram num berço diferente com uma linhagem hereditária com um destino mais ou menos organizado; ou, à realeza se uniram por laços e alianças que lhes trouxeram estatuto.

Não são infalíveis e não deviam estar acima de qualquer outro ser. Entendo, por isso, que um pedido de desculpas – o primeiro – quando se é septuagenário, deixa para trás um homem que não errou apenas agora por causa de uma caçada, mas que certamente já se terá equivocado centenas ou milhares de vezes, tanto a nível pessoal, como familiar, protocolar e até sobre obrigações e responsabilidades reais. Embora se diga que “as desculpas evitam-se”; isso pressupõe pautar pensamentos, palavras e actos com uma ética e moral irrepreensíveis que, bem sabemos, é humanamente impossível de ser exercido.

O real que provém da realeza torna-se, por isso mesmo, irreal no mundo real que, nós, os comuns habitantes deste planeta povoamos. Embora, à medida que envelhecemos, tenhamos a tendência a evitar os erros, nem sempre o conseguimos e, um pedido de desculpas, é um acto que faz parte do nosso amadurecimento e crescimento enquanto ser humanos. É bom que o Rei olhe para a plebe e aprenda algo tão simples quanto isso.

De igual forma, e ainda sobre o Rei espanhol, a sua família não é imaculada e tão pouco pura. Todas as famílias, por muito que se amem, têm imperfeições. Depois de assumidas, são corrigidas e continua-se em frente neste processo que se chama vida. Por isso, e já agora que falo sobre erros reais, fiquei negativamente surpreendida com a falta de apoio que a Família Real demonstra pelo marido da filha mais nova do rei Juan Carlos, a infanta Cristina, que parece estar envolvido num caso de apropriação de dinheiros públicos quando era presidente do Instituto Nóos, entre 2004 e 2006.

Este escândalo levou a Família Real a impedir que o genro de Juan Carlos pudesse participar em acontecimentos oficiais e até as fotos pascais, bem como a tradição da celebração daquela data em família foi interrompida. Percebo perfeitamente que não podemos pactuar com qualquer tipo de corrupção mas já me custa perceber mais que, apesar das enormes nuvens negras que pairam sobre Iñaki; em nome da instituição real, ele seja praticamente banido do convívio dos sogros. Podem ser reis mas também são os pais da mulher que vive com este homem e avós dos filhos que nasceram daquele matrimónio. Esse é um laço indestrutível e permanente que não se pode alterar.

Que, pois, a Realeza e a Casa Real não tornem irreais os valores da família. Porque a família é a coisa mais maravilhosa e espantosa do mundo. Temos que estar com aqueles que amamos e fazer da nossa casa uma verdadeira casa real. Dizer-lhes que os amamos e demonstrar esse amor. Isso são alicerces de qualquer real família. A vida não é um conto de fadas. Embora hajam “momentos de magia”, também há “momentos para esquecer”. É nessas alturas que a família deve ser um porto de abrigo. Uma demonstração maior de amor, apoio e resiliência. E porque somos todos diferentes, é na nossa diversidade que comungamos a unidade familiar e nos tornamos maiores e maiores e maiores num mundo tão carente de exemplos que ajudem a erguer e solidificar a sociedade.

Parece-me que não faria mal ao Rei, agora que “aprendeu” a pedir desculpa porque afinal erra como qualquer outro homem, adquirir outros conhecimentos que lhe permitissem reconhecer que os tempos de “superioridade” ou preeminência Real estão em mudança num mundo que não pára de transformar-se. A humildade nunca fez mal a ninguém. Não basta ser Real, há que viver no mundo real e actuar de acordo com a realidade que se experimenta dia após dia. O resto é irreal e precisamos de realidades sólidas que nos inspirem e com as quais nos identificamos de alguma forma em tempos tão irracionais e severos.


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