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Lá estou eu com a má língua – 2
November 9th, 2011 by M.J. Ferreira

Eu até não sou assim tão má língua (sou só um bocadinho, tão pouco que mal se nota…) e, em tempos de crise, pela lógica, até deveria decrescer. Mas o chorrilho de informação sempre a dizer a mesma coisa é tão cansativo que não há pachorra para aturar tanto desaforo que nos tenta emprenhar pelos ouvidos.

Ainda ontem eu opinava sobre os apelos da CGTP para o dia 24 de Novembro. Ao mesmo tempo, pedia humildemente que me esclarecessem algumas dúvidas que, nem com a maior das boas vontades, criatividade e bom senso, consigo perceber.

Então, não é que o Carvalho da Silva (líder da supracitada central sindical) parece ajudar mais à festa e faz hoje uma afirmação que me deixou assim meio incrédula?!? A frase é dele: “a greve é um sacrifício, mas indispensável”.

Então a greve não é para pôr fim aos sacrifícios? Não está o povo sacrificado o suficiente com todos os sacrifícios que o governo pede? Não é a CGTP contra todos estes sacrifícios que o Orçamento irá ditar? Há sacrifícios bons e maus?

A pergunta é pertinente quando Carvalho da Silva remata que apesar de ser um sacrifício, é indispensável.

A palavra sacrifício – e retirando-lhe o sentido teológico – significa o abandono forçado ou voluntário daquilo que nos é precioso. Sacrifício é mesmo uma renúncia espontânea do interesse, da vontade ou da conveniência própria. Assim, os da CGTP não podem ser um paraíso e os do governo um tormento infernal.

Depois, a frase de Carvalho da Silva indica-me que a CGTP faz exactamente o que critica ao Governo: pede sacrifícios. Entretanto, diz que o deles é indispensável. Mas não são os do governo igualmente indispensáveis?

A palavra indispensável significa o que não se pode dispensar, aquilo que é habitualmente preciso. Não tenho dúvidas que os do governo por muito que me/nos doam, incomodem, revoltem, indignem, transtornem, etc.,etc., são absolutamente indispensáveis. Pretendem fazer restituir ao país a sua credibilidade, honra e dignidade. Propõem-se terminar com anos e anos de esbanjamento e aproveitamento de bens públicos transformados em prémios, comissões, má gestão, vencimentos chorudos cuja contrapartida resultou em prejuízos acumulados e buracos de vários tamanhos. Querem restituir ao país a ética e a moral que anos de viver acima das reais possibilidades distorceu e contaminou.

Por outro lado, tenho dúvidas que o sacrifício a que Carvalho da Silva se refere seja realmente indispensável.

Primeiro, porque os motivos da greve – mencionados no post anterior com o mesmo nome – se interligam com o que o governo pretende atingir: emprego, produtividade e crescimento económico.

Segundo, porque as consequências da greve não irão revelar qualquer alteração que não esteja já neste momento a ser negociada, não vai parar com as reformas que se impõem e que estão a ser acompanhadas/fiscalizadas pelo exterior e, em linguagem muito simples só irão acrescentar dimensão aos buracos já existentes e, quiçá, aos que ainda se poderão descobrir.

Terceiro, porque a linguagem da greve invocando a agressão dos trabalhadores e do país não passa de retórica e “cassette”. Agressão dos trabalhadores e do país acontece sempre que este tipo de intervenção é solicitada. O Estado não fica mais rico, os trabalhadores perdem financeiramente, o país não produz, a economia retrai-se, a cepa torta verga-se um pouco mais sobre si mesma.

Se Carvalho da Silva diz que a greve é um sacrifício, não será mais do interesse nacional que as centrais sindicais se predisponham elas próprias a fazer um sacrifício (assim tipo um sacrifício de concertação) e mobilizem o que julgam ser a sua força num esforço nacional que incite o povo ao trabalho de forma a vencer as dificuldades? Ora aí está um sacrifício indispensável! Portugal unido pelo interesse nacional. Portugal a erguer-se acima da crise. Portugal a ser exemplo de responsabilidade perante os compromissos. Portugal a ser um país em que gostamos de viver e onde os nossos filhos e os nossos filhos têm futuro.

Há muito a fazer. É preciso – se me permitem a expressão, levantar o rabo do sofá e trabalhar, trabalhar, trabalhar. Usando uma expressão tão em voga e que provoca tanta azia, é preciso sairmos da nossa área de conforto e irmos aos limites das nossas capacidades e forças. Precisamos sair da nossa área de conforto e mudar hábitos de consumo, atitudes despesistas e comportamentos egoístas. Quanto mais tarde percebermos isto, maior será a nossa frustração. Quanto mais cedo nos focarmos nas metas que temos pela frente, maior será a nossa motivação e a nossa entrega.

Lá estou eu com o meu mau feitio e a má língua… Mas, isto não é ser mazinha nem má língua. É o assumir as mudanças que têm de ser feitas. Não vai ser pêra doce mas não haverá greve* nenhuma, neste momento, a trazer adoçante, mel ou qualquer edulcorante. Direito à greve sim; mas com zelo e responsabilidade.

* – Faz precisamente um ano no dia 24 de Novembro que a CGTP convocou também uma greve geral contra as injustiças e para mudar de políticas. Quer-me parecer é que o dia 24 de Novembro tem algum significado especial para a CGTP e o povo é que paga – sim, o povo é que paga porque a greve não é suportada pela entidade patronal e muito menos pelas centrais sindicais.


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