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Triste
February 27th, 2012 by M.J. Ferreira

Hoje fui a um velório dar os sentimentos a uma senhora com que me cruzo com regularidade na vizinhança. Já era esperada a morte do marido que, para além de idoso, estava enfraquecido com uma doença terminal.

O casal tem dois filhos e vários netos mas há muito que pais e filhos estão de costas voltadas com acusações de parte a parte, orgulhos, desaforos, intolerâncias e toda uma série de quezílias que uma comunicação deficiente e, depois, a falta dela, apenas tem aumentado ao longo de anos.

A viúva oscilava a sua dor entre frases que exclamavam a falta da filha e do filho e o quanto tinham gasto na educação de ambos nas melhores e mais caras universidades, nas ofertas e contribuições que foram feito já depois de eles casarem, etc., etc., que culminavam invariavelmente no deserdar os filhos. No velório, para além de mim, estavam apenas mais duas vizinhas e mais duas pessoas do restaurante onde ela e o defunto marido costumavam ir buscar comida.

Uma das vizinhas saiu desejando à viúva “uma noite feliz e durma com os anjos” que imediatamente geraram comentários sobre a saúde mental daquela que cada vez estava pior nos disparates que dizia. A outra aproveitava para continuar a conversa sobre dinheiros e posses financeiras tentando tirar “nabos da púcara” sobre valores e alvitrando possibilidades de heranças, bla bla bla…

Eu pensava apenas: “que triste”!
Triste, porque na altura da morte pouco ou nada sobrou para aquele homem ser recordado como pai extremoso e amigo dos seus filhos e netos. Apenas uma viúva dorida aquecida por recordações que misturavam aversões com uma percepção distorcida de amor pelos filhos.

Triste, porque apesar daquele casal ter tantos bens e tanto desafogo financeiro; afinal, aquele casal não tinha nada de realmente importante. Faltou-lhe o pilar que aguenta, que ampara, que nos atura, nos educa, nos sossega e nos motiva, que nos faz crescer e amadurecer serenos, tranquilos, em paz connosco próprios.

Aquele homem, deitado no seu leito de morte, teve tanto, ganhou tanto mas, na realidade, não tinha nada. Faltou-lhe a família. Faltaram-lhe partes de si próprio, partes do seu ser e sem aqueles que – também – amava, restou apenas uma última noite solitária.


One Response  
  • L E N A writes:
    March 1st, 2012 at 12:21 am

    Os velorios são cada vez mais… diferentes!
    Não se reza pela alma do falecido, pouco se lamenta a perda da vida que ali esta, a não ser os mais chegados, (quando aparecem), Pouco se respeita a dor dor e tristeza da familia chegada, e contam-se umas anedotas para desanuviar o ambiente, enquanto se espera pela meia-noite, para se fechar a porta e ir dormir, que se faz tarde!

    Então porque não se fica em casa, e apenas se faz o funeral, ou se vai cremar o corpo, e pronto!

    Tenho outra ideia: Como em Africa! Canta-se bem alto e servem-se umas iguarias, enquanto a meia noite não chega! Estilo CONSOADA!

    Mas têm um ponto positivo: A familia, aqueles de quem gostamos e nunca vemos, aparecem para uma ultima despedida! Ultima porque cada um vai a sua vida, e se ja não ha mais tios para morrer, vai ser dificil voltar a reunir os primos! Não vai haver pretexto! E então eu penso: A despedida que vieram fazer foi ao defunto, ou aos primos? Sim porque as conversas nesse momento são muito animadas e um desenrolar de recordações mutuas, e de noticias recentes, em falta!

    Eu não sou exemplo, não faço tudo como deveria ser. muito longe disso! Mas… ha coisas que se metem pelos olhos dentro, e nos acabamos por agir na onda e contra o que realmente pensamos, para não destoar! Nos ou EU!

    Pronto, calo-me aqui, mas não por me faltarem mais ideias!


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