Sep 12th, 2012 by M.J. Ferreira
Se não havia dúvidas sobre o mau bocado que Portugal está a passar com os consequentes efeitos na sociedade em geral, dúvidas não ficaram agora que mais uma avaliação da “troika” teve efeito e novas medidas foram apresentadas ao país, tendo em vista o próximo Orçamento do Estado. A palavra consenso passou a ser uma miragem, uma utopia e a decepção que destapa o malogro da esperança avança a passos largos.
Espero sinceramente que o eco de todas as medidas anunciadas pelo Executivo, bem como as respectivas consequências das mesmas, ressoe bem alto junto dos nossos governantes de forma a que não cometam um erro tão grande quão grande é o buraco onde estamos enfiados. Voltaire disse “Os homens erram, os grandes homens confessam que erraram.” Assim espero!
Já foram tantos os “sacrifícios” que nos foram pedidos que já não chega para nos “animar” e “motivar” uma avaliação positiva por parte dos nossos credores ao esforço que o país está a fazer. Aliás, esta última, que examinou derrapagens e formas de colmatar o buraco que resultou da análise que o Tribunal Constitucional fez sobre a perda de subsídios na função pública, apesar de positiva, está a fazer o país gritar aos quatro ventos que já não aguenta mais. Se me permitem a ironia, o país clama, alto e bom som, que está triste!
É verdade. Tal como Cristiano Ronaldo disse, há pouco mais de uma semana, não tenho dúvidas que, igualmente, cada um de nós, está triste. No entanto, enquanto que para aquele, e para pôr fim a tamanha dor, o clube a que pertence pensa aumentar-lhe o ordenado de 10 para 16 milhões de euros; o “clube” a que pertencemos – face à nossa tristeza -, não vê como podemos não continuar a apertar o cinto e, por isso, anuncia que os nossos rendimentos irão contínua e repetidamente continuar a ser brutalmente “emagrecidos”. Desta forma, esperam-nos novos acertos de IRS, uma taxa sobre o nosso rendimento do trabalho e outras coisas que a seu tempo serão melhor explicadas.
Chegámos a um ponto que para quem ganha mal, sai mais barato não fazer nada. Penso, por isso, que já que estar no desemprego conta para a formação da carreira contributiva, todas as pessoas que recebem subsídios deviam contribuir, também, com uma taxa igualmente para a segurança social, bem como, estivessem sujeitas a IRS, para além do serviço comunitário. Ninguém quer perder o emprego; mas, da forma como as coisas estão feitas, quem trabalha e, comparando um salário com um subsídio de igual valor, está fortemente penalizado.
Penalizados somos também pela enorme corcunda na estrutura do Estado com todas as PPP e despesas das administrações públicas. Parece impossível que, em democracia, se alimentem esse tipo de monstruosidades. Para além das colossais verbas que devoram, têm ainda a característica de darem existência a meia dúzia de “vampiros” que, com a sua gula, chupam o sangue do povo, nada fazendo pelo interesse público. Tal como os gerentes e administradores privados são responsáveis pelos prejuízos que as suas administrações causam, assim devia ser no sector público, sem excepção.
Penalizados estamos, também, porque as reformas e as privatizações que são necessárias fazer, embatem na falta de coragem e na determinação para as fazer com eficácia, frente aos interesses instalados.
Outra “engenhoca” interessante são as fundações. Nada tenho contra “a”, “b” ou “c” querer ter uma fundação com o seu nome para preservar a memória de si. Só que penso que tais organismos deviam ser autónomos e auto-sustentados. Transparência total, sem o meu dinheiro, sem o nosso dinheiro.
Não pode haver fundos para uns tantos, seja qual for a forma como se nos apresentam, e deixar de fora pequenas e médias empresas estranguladas, sem incentivos fiscais e com possibilidades nulas de investimento.
Cresci ouvindo o meu pai dizer que “quem não tem dinheiro não tem vícios”. Só que os anos de um passado recente subverteram completamente esta máxima. As famílias, mesmo sem dinheiro próprio, “aproveitaram” a boleia que os bancos ofereciam e passaram a ter dinheiro e a viciarem-se num consumo desenfreado de bens que, longe de serem completamente necessários, contribuíram para o que realmente é a verdadeira crise. Barriga cheia mas à custa de gastar mais do que se ganha. Barriga cheia… mas um vazio enorme no que toca a valores morais e éticos que se estende aos diversos contextos da sociedade.
Sabemos hoje que, não só as famílias viviam muito para além das suas possibilidades como, o próprio Estado, se alinhavou com despesas sem pensar nas consequências de elas não serem cobertas pela riqueza que o país produzia. É claro que tudo isto, aliado ao descalabro da economia internacional, se traduziu na enorme hecatombe que ainda não sabemos como vai terminar.
Estou descontente, é claro! Mas também penso que não é a oposição política que temos que pode fazer a diferença. Nem a oposição nem parceiros sociais ou outros. Todos criticam mas alternativas que sejam viáveis e responsáveis ao mesmo tempo nada, niente, nicles. Não há ideias; antes, e apenas, o discordar, o apontar o dedo, a crítica pelo poder e para o poder. Devia haver uma lei que instituísse que só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar. Políticos e parceiros, o mal de uns e de outros é que, quem sabe trabalhar, quem tem visão, quem sabe liderar, quem tem estratégia, quem motiva à produtividade, não está na política, nem tem tempo a perder em jogos de poder, manipulação e interesses.
Infelizmente, os nossos políticos são, na sua maior parte, políticos de conveniência. Aquilo que deveria ser uma disposição natural oriunda de uma cidadania responsável, tem sido um amontoar de tachos, altos cargos sempre com distribuição assegurada, pensões de luxo e outras mordomias que me fazem corar de vergonha face aos tempos que vivemos.
Enquanto houver universidades dos principais partidos para os boys que se perfilam já para as próximas gerações de políticos e homens-chave do sistema, não creio que possamos ter a criatividade e a ousadia de pensar, inovar, produzir, mudar o que precisa ser mudado.
O meu pai tinha razão: quem não tem dinheiro não tem vícios e, enquanto se continuarem a alimentar vícios antigos, sem dinheiro novo, não iremos muito longe e dificilmente sairemos da lama onde estamos atolados. Somos pobres, estamos cada vez mais pobres e os imperativos de tal condição perseguem-nos porque, simplesmente, quem é pobre, não tem vícios. Ou, como dizem os franceses “pas d’argent, pas de Suisse”. Isto não é sinónimo de estagnação, conformismo ou falta de visão. Muito pelo contrário. Só os que perceberem muito bem esta lógica tão simples quanto eficaz, e estiverem dispostos a colocar o interesse nacional acima dos seus próprios interesses, serão capaz de levar este barco a bom porto novamente.
Gostaria que a nossa tristeza fosse tão bem cuidada quanto a de Ronaldo. Infelizmente, os “mimos” que nos estão destinados não nos devem dar para esboçar qualquer sorriso. Por enquanto.