Jan 11th, 2010 by M.J. Ferreira
Se tivermos em conta a comunicação social, os noticiários, o que ouvimos de boca em boca, os portugueses não têm muitas razões para sorrir.
Dos cerca de dez milhões que somos, mais de dois milhões vivem na pobreza ou no que chamam de limiar da pobreza (nunca percebi esta distinção dados os valores monetários que distinguem “esta classe” da anterior). Também temos, igualmente, uma percentagem elevada da população que se encontra envelhecida e que, nas rugas que nos fazem perceber os anos que já passaram, revelam uma amargurada aflição por o sustento que não chega, por carinhos adiados, por uma espera desesperada perante a cumplicidade ensurdecida de uma sociedade de plásticas a tentar encobrir o seu próprio “reumatismo” que, apesar de espalhafatosamente disfarçado, se revela na imensa jactância das revistas cor de rosa a ditarem modas, manias e valores; nas iniciativas que promovem o ridículo sem que isso seja percebido; nos cinco minutos de fama que, seja qual for o custo e as consequências, se têm de obter.
Os portugueses não têm razões para rir. O desemprego aumenta de trimestre para trimestre, a economia ainda não vislumbra qualquer retoma, as finanças estão pela rua da amargura, temem-se conflitos sociais , quantas vezes alimentados por uma justiça que não faz justiça ao cidadão responsável, assertivo, que paga os seus impostos.
Quando olho para o meu país eu não tenho qualquer vontade de rir.
Faço parte de uma democracia onde governo e oposição se degladiam ou namoram num rodopio de “rodriguinhos” e que pode, no presente, ou no futuro, transformar-se em tachos, favores ou conveniências.
Faço parte de uma democracia que não valoriza o esforçado trabalhador mas premeia e promove os administradores e directores de qualquer banco/instituição estatal independentemente dos resultados, bem como antigos ministros e secretários de Estado.
Faço parte de uma democracia que não tem consideração por pequenos e médios empresários a tentar não serem arrastados pelo tsunami cujas ondas não param impacientes e turbulentas mas adjudica de bandeja obras a empresas com amigos e companheiros de partido.
Faço parte de uma democracia que não valoriza a vida por nascer mas se ofende com as touradas.
Faço parte de uma democracia que castiga o honrado e liberta o criminoso.
Faço parte de uma democracia que diz que faz justiça e silencia os compadrios.
Faço parte de uma democracia que se vangloria dos “Magalhães” e da obrigatoriedade escolar até ao 12º ano que combate o país de analfabetos, mas dá lugar ao país de analfabrutos.
Faço parte de uma democracia que se diz amiga das famílias mas que exibe uma prole gigantesca de filhos orfãos de pais vivos.
Faço parte de uma democracia com persistentes filas de espera na saúde, com deficiente resposta a empregos para jovens licenciados, com uma obesa dívida externa que castiga quem trabalha, mas que se mascara atrás de uma propaganda cor de rosa de fantasiosa realidade.
Quando penso no meus país, tenho pouca vontade de rir.
Mas sorrio. Porque acredito que podemos fazer a diferença. Acredito na esperança de dias melhores. Acredito que a seguir ao caos vem sempre a bonança. Acredito que ainda há quem não se venda, e que há muitos que não precisam dos tachos, a não ser para cozinhar. Acredito que temos capacidade para levar o “barco a bom porto”.
Precisamos de uma liderança que nos motive sem arrogância, que nos mostre o caminho sem nos ludibriar, que nos peça sacrifícios mas que nos apresente resultados. Precisamos de uma liderança humilde, carismática, isenta e assertiva que use as diferentes sinergias da nossa sociedade para construir um Portugal verdadeiramente democrático.
Ontem, no Metropolitano de Lisboa, penso que na linha de Alvalade, foi levada a cabo uma iniciativa para os portugueses poderem rir e se divertirem. Era algo muito simples o que era necessário fazer. Simplesmente, tirar as calças. Ontem, através da televisão, pude assistir a um desfile de lingerie ou underwear, como se lhe queira chamar, que desde a cuequinha lisa, colorida ou debroada a rigor, aos tradicionais slips masculinos e boxers de diversos estilos mostrou um grupo de pessoas empenhadas em fazer rir. Elas não riam (não podiam perder a compostura, fazia parte da participação) mas as pessoas com quem se cruzavam ou que simpaticamente responderam ao frenético repórter também não emitiam gargalhadas.
Pensei cá para mim. Será que em vez de tirarem as calças no Metro para depois as vestirem quando saíam, não poderiam continuar a sua exibição junto de uns quantos “sem abrigo” a precisarem de roupa nova? Se não, será que simplesmente não podiam tirar as calças e doá-las para serem distribuídas por quem há muito não tem razões de divertimento? Será que simplesmente, o já tão bem organizado grupo, que de vez em quando nos premeia com uma demonstração do género, não poderia fazer algo como voluntariar-se junto de hospitais, casas de acolhimento, prisões, etc. e fazer sorrir almas como as deles que se calhar há muito deixaram a gargalhada feliz e a substituíram pela solidão, pela tristeza, pela desesperança.
Pensei cá para mim: o português não tem, realmente, muitas razões para rir. A não ser de si próprio. E se calhar até está muito divertido. Eu é que preciso de ir ao oftalmologista mudar de lentes.