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Quando se fala em Dezembro…
Dec 4th, 2009 by M.J. Ferreira

Quando se fala em Dezembro lembramos o Natal e as suas tradições. Aqui fica um conto de Natal, um pouco diferente do habitual, que escrevi há muito tempo:

O que sou? O que quero?
Não! O que eu fui e o que eu queria.

Agora já não sou nada. Repouso encostado a um contentor do lixo. Estas palavras são o meu último fôlego que transmiti à minha amiga chuva antes de adormecer definitivamente. Enquanto me embalava, pediu-me se podia escrever a minha história para que todos possam pensar um pouco sobre o que me aconteceu e acontece a milhares como eu.

Sabes? Tal como tu nasci e cresci rodeado de uma bonita família. Os meus pais, os meus irmãos, todos nós tão direitos em direcção ao céu, com as “agulhas” verdinhas a sorrir para o sol.

Lembro-me de brincar com o orvalho da manhã e cantar com o vento. Todos nós, os da minha família, constituímos abrigo, sombra e lar de famílias inteiras que nos procuram.

Mas um dia uns homens grandes apareceram. Traziam nas mãos umas coisas esquisitas, com dentes enormes. Sem que esperássemos, essas coisas começaram a fazer muito barulho e, de repente, grande parte de nós ficou sem raízes, separada da terra, com o tronco decepado. Senti-me cair. Lembro-me do meu pai ondular com mais força e a seiva da minha mãe brotar intensamente. Chorava.

Os homens falavam de dinheiro. Um dizia que aquilo apesar do dinheiro que rendia era um crime com tantos incêndios que tinham acontecido meses atrás. Outro falava em florestação, planeamento, tudo palavras difíceis que eu não entendia. Eu não percebia nada, estava assustado, empilhado com tantos amigos, numa coisa com rodas enormes que nos começava a levar para longe dali.

Quando chegámos a um sítio que eu nunca tinha visto, cheio de pessoas a andar de um lado para o outro, tão apressadas que nem se cumprimentavam, de rostos sisudos tão diferentes dos que eu estava habituado a ver, encostaram-nos uns aos outros numa parede, com um grande letreiro: “vendem-se árvores de Natal”.

Árvore de Natal. Que nome estranho. Os meus pais não me tinham falado disso. Tinham-me dito que eu cresceria forte e saudável. Do meu tronco extrairiam algo precioso para o homem, as minhas pinhas dariam um fruto seco  delicioso e a madeira seria útil para várias indústrias. Seria lar de muitas aves e contribuiria para a alegria inteira das famílias que me procurassem para os seus tempos livres. Fazia parte de uma riqueza, de um património, de um tesouro essencial que há de preservar e cuidar. De árvore de Natal eu não sabia nada. Comecei a sentir uma dor que me preocupou. As minhas agulhas sempre tão verdes e fortes começaram a perder energia.

Um dia escolheram-me. Levaram-me para uma casa. Nos meus braços, cada vez mais fracos, penduraram luzes, bolas, fitas de muitas cores e, à minha volta, colocaram embrulhos de vários tamanhos.

Para dizer a verdade, pela primeira vez na minha vida apeteceu-me chorar. Estava ridículo.
As pessoas que habitavam aquela casa achavam-me lindo mas que percebiam elas dos meus sentimentos?

Que saudades dos meus pais. Cada dia me sentia mais fraco. As luzes de várias cores que diariamente me iluminavam queimavam-me. Estava realmente a sofrer. No dia de Natal tiraram todos os embrulhos que eu tinha à minha volta e, alguns dias depois, percebi que ia acontecer alguma coisa. Mas estava muito fraco para pensar. Já quase não tinha força para respirar. As minhas agulhas eram agora de um verde descorado.

Uma manhã resolveram tirar tudo de cima de mim. Ouvi falar em limpar o lixo todo. Agora eu era lixo.
Tiraram as coisas de cima de mim, dobraram-nas e guardaram-nas e, com um puxão forte, arrancaram-me da areia onde estava enterrada; pegaram em mim e levaram-me.
Quando abriram a porta da rua uma brisa fresca saudou-me e eu ainda consegui sorrir. Atiraram-me para o chão, junto ao contentor do lixo e foram-se embora.

Que era feito do Natal? Do espírito que me tinha cansado de ouvir sobre serem bons e amigos uns dos outros; até trocavam cumprimentos e presentes com pessoas que nem conheciam muito bem mas, de outra forma, poderia parecer mal e, numa caixa que lá havia, a que chamavam televisão, tinham dito que muitas guerras tinham feito tréguas e ouviam-se hinos de que todos sabiam a letra. Também falavam que o Natal era a celebração de um milagre muito grande: recordava-se o nascimento de Jesus que tinha vindo ao mundo porque Deus amava de tal forma a Sua criação (e eu era parte dela) que se fez carne entre nós. Jesus foi enviado por Deus para que todo aquele que nele viesse a crer e depois seguir, pudesse viver em paz na Terra com todos os homens e com Deus por toda a eternidade.

Mas que mundo louco: um dia para serem muito bons e amigos e os outros todos para se insultarem, fingirem que não se conhecem e até se matarem. E que era feito de Jesus nas suas vidas?

O Natal tinha acabado e assim a minha utilidade bem como a minha vida.
Que saudades do campo onde nasci e cresci.

Uma humidade apoderava-se de todo o meu tronco. Percebi que chorava. Já não ia dançar mais com o vento, cantar com os pássaros, sorrir e sonhar nas noites de luar. Agonizava num mundo que não era o meu. Muito artificial, onde a vaidade se sobrepõe à necessidade e progresso é antónimo dos valores.

Foi quando uma chuva miudinha começou a cair. Ouviu as minhas lamúrias. Afagou-me num abraço muito profundo, cantou-me uma canção de amor e eu adormeci para sempre sonhando com a minha liberdade, embalado pelas lágrimas que aquela chuva não parava de deixar cair. Esperava-me a eternidade em paz com o Criador.

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