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Engolir sapos
October 19th, 2012 by M.J. Ferreira

Vivemos tempos muito difíceis. A tão badalada catástrofe económico-financeira que se abateu sobre parte do planeta há poucos anos atrás tem-se agravado nos últimos tempos em Portugal e outros países da Europa.

Os tempos de “vacas gordas” onde o dinheiro rolava e se multiplicava em sucessivos créditos bancários que satisfaziam a gula de um consumo inebriante e egoísta deram lugar a um tempo de “vacas magras” onde as dívidas acumuladas durante aqueles tempos junto com um agravamento das condições económico-financeiras-sociais do próprio país têm dado lugar a uma conjuntura tão perigosa quanto decisiva para o que queremos do nosso futuro.

Veio a Troika e a tentativa de equilibrar as contas públicas com um aumento da receita e o decréscimo da despesa. Só que este último tem acontecido a conta gotas enquanto o primeiro tem sido feito à conta de sucessivos aumentos de impostos que têm apertado, e bem, o cinto a uma pseudo classe média endividada até às orelhas. Os pobres passaram a ser mais pobres e aqueles que ostentavam vida de ricos foram acareados com o próprio embaraço de estarem há longo tempo a viverem acima das suas reais possibilidades.

As sucessivas avaliações positivas que os nossos credores têm feito da forma como o Governo tem estado a gerir “a crise” tem libertado verbas avultadas que, apesar de tudo, são insuficientes para manter níveis sociais médios nas diferentes contexturas do enquadramento nacional. O povo, viciado em “Estado” tem tido dificuldade em perceber que é altura de mudar radicalmente o paradigma da dependência subsidiária e virar-se para alternativas autónomas que não resultem do consumo contínuo e repetido dos subsídios.

Não é fácil num país em recessão “arranjar” um emprego. Aliás, a sua falta e o aumento do número de desempregados tem aumentado a uma escalada acima das expectativas. No entanto, há sectores como a agricultura que precisa de ser dinamizada depois de anos a fio a cometer erros (in)voluntários de recebimentos de dinheiros europeus e “fingir” que se fazia o melhor para o país. O problema é que os trabalhos pesados e/ou mais físicos, nas últimas décadas, foram destinados a grupos de emigrantes que cá chegavam porque, nós, estávamos “acima” de tal labutação.

Vivemos iludidos e está a ser difícil a mudança de atitudes que nos permitam regressar a uma vida digna e humanamente merecedora desse nome. A falta de dinheiro é um problema mas a falta de valores morais e éticos não fica atrás.

Esta semana tem estado na praça pública o Orçamento que o Governo quer viabilizar para nos governar no próximo ano. Ainda antes da sua discussão e aprovação, os partidos da oposição já manifestaram as suas críticas que pecam por irresponsabilidade porque, infelizmente, não podemos mandar a troika lixar-se. Mas podemos mandar lixar tudo aquilo que tem inibido a nossa auto-estima e impedido de sermos proactivos, agindo antecipadamente, isto é, não esperando pelo tempo da reacção a algo, mas tomando iniciativas de acção preventivas e outras às nossas situações pessoais.

Podemos também mandar lixar todos aqueles que nos têm massacrado e ensaboado o juízo com críticas que nada têm de positivo porque não apresentam qualquer alternativa viável responsável. Nada tenho contra manifestações mas não são as manifestações que vão alterar o que quer que seja. Por outro lado, acredito que se essas mesmas manifestações se transformassem em voluntarismo junto de sectores a necessitar de voltarem da “morte” à “vida”; não só o exemplo dado seria significativo como mostraria um povo lutando pela sua soberania e que queria libertar-se do jugo estrangeiro.

Não quero com tudo isto dizer que “estou contente” com o Orçamento. Nunca “atacaria” vencimentos até cerca de dois mil euros e, de certeza, cortaria muito mais na despesa. O corte anunciado nas Fundações são apenas cócegas e eu acabaria com qualquer doação para cada uma delas. Defendo que têm de ser auto-sustentadas. Acabaria com a “mama” de empresas estatais e parcerias duvidosas que, com acordos ambíguos e suspeitos, têm perigado os dinheiros públicos. Até porque não “defendo” a vocação empresarial do Estado. Tinha, e face ao aumento proposto dos diversos impostos, de certeza, avançado com o alívio da TSU para as empresas e sem a penalização do trabalhador. Aplaudo a “contribuição” para o Subsídio de Desemprego e outros cuja ausência se tornava numa perfeita injustiça para quem trabalha. Aplaudo a penalização dos salários mais elevados. Aplaudo o pagamento do IVA ao Estado apenas aquando dos recebimentos efectivos se ele for para todas as empresas.

Ainda mantenho uma (apesar de ténue) esperança que vamos sair de tudo isto mais fortes. No entanto, tem sido necessário engolir sapos. Nós, tentando equilibrar as finanças privadas e o Governo de coligação com duas visões, por vezes opostas, de como fazer face ao grave momento que atravessamos. Sempre acreditei que a estadia do CDS-PP na coligação poderia significar o equilíbrio na governação e, não tenho muitas dúvidas, os “sapos” que Paulo Portas tem sido forçado a engolir (ou se forçou por alguma ausência motivada pelo cargo que ocupa) lhe têm provocado uma enorme indigestão.

Penso que é altura de o próprio Governo fazer uma avaliação do que têm sido as últimas semanas e pensar seriamente se não podia fazer mais e melhor. Nas negociações com a Troika mostrando a nossa realidade e exigindo os dividendos de estarmos a ser cumpridores. A baixa das taxas de juro é algo imperioso. Na necessidade de descobrir formas de dinamizar a economia (poderá estar relacionado com as negociações troikianas e um alívio das exigências daquela) e incentivar o investimento. No corte da despesa sem temer grupos, lobbies ou outros interesses.

É obrigatório que os empresários (pequenos, médios e grandes) consigam trabalhar. Seria deveras importante perceber, de uma vez por todas, que um sector tão importante quanto o do turismo deve ser acarinhado. Moral e eticamente relevante seria a responsabilização criminal de quem gastou milhões do nosso erário público de forma irresponsável e, quiçá, ilícita. Imperioso uma nova forma de comunicar e explicar o que se passa, o que se faz, o que se pretende, restaurando a esperança, motivando o futuro e recuperando a dignidade de viver sem ser apenas sobrevivendo.

Avaliações contínuas e responsáveis são necessárias e só há que emendar e corrigir o que não está a correr tão bem. Na falta daquelas ou na teimosia em peregrinar por caminhos que não têm qualquer saída que o Presidente da República assuma o papel que lhe compete.


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