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11 por todos e todos por 11
June 27th, 2012 by M.J. Ferreira

Hoje ao fim da tarde o país vai ficar vidrado à frente do televisor quando a Selecção Nacional de futebol se defrontar com a sua congénere espanhola na discussão de um lugar na final europeia. Não quero escrever sobre isso. Seja qual for o resultado, nada vai mudar em relação aos problemas que enfrentamos. No entanto, merece-me uma palavra de reconhecimento o trabalho de Paulo Bento, o responsável por Portugal estar onde está e apresentar-se da forma como se tem apresentado. Desculpem-me os jogadores – talentosos, sem dúvida; mas, não fosse o trabalho daquele técnico que sabe que o TODO é muito mais que a soma das partes, ainda estariam presumidos, amuados, vaidosos e/ou birrentos com guerrinhas de bastidores – quem se lembra do que aconteceu com a equipa técnica anterior? (e não estou a comparar os técnicos principais, que não têm comparação).

Dito isto, este comentário tem a ver com um anúncio publicitário. Sinceramente e traduzindo o que me vai no coração, estou farta do anúncio da Galp e da carta do Guilherme à Selecção Nacional de futebol. Aliás, acho que é de extremo mau gosto o conteúdo da dita.

Não sei de onde é que o Guilherme saiu. Mas a escrever como escreve (se é ele o real autor da missiva) estou inclinada a uma educação numa “jota” qualquer nacionalista que lhe deturpou para já a percepção da realidade.

Fala o rapazinho em sonhos. Primeiro no sonho dos seus amigos de serem como os jogadores da selecção, de correrem como eles correm , de marcarem os golos que eles marcam e/ou de serem idolatrados como eles são.

Mas o Guilherme não sonha assim. Ele quer ser médico ou biólogo. Realmente, o Guilherme não tem o sonho de um aspirante a jogador de futebol da Selecção Nacional… Ao contrário destes, o Guilherme gostava de trabalhar em Portugal. Mas, esta ambição do menino tem uma “pequeníssima” limitação. Ele só vai ficar a trabalhar em Portugal se isso valer a pena. Para o Guilherme, não sei o significado do “valer a pena”. Com certeza, o rapazola ambiciona um lugar, ou uma carreira, em Hospitais de luxo com clínica privada ou uma bolsa de investigação que lhe permita pôr em prática todo o seu potencial. Certamente, o rapazito não quererá ser médico da periferia ou do interior provinciano, longe das urbanidades e “cosmopilices” das grandes cidades. Com o discurso da carta, talvez ele sonhe mesmo é com um lugar num partido político que lhe garanta notariedade q.b. porque paleio demagógico já ele tem e muito.

Pois então o Guilherme tem o sonho de se formar e crescer para Portugal mas só vai ficar se valer a pena. E diz na sua carta convicto: “E é aí que vocês entram”.

“E é aí que vocês entram”; vale a pena registar toda a sua oratória para memória futura:

“Para milhões de pessoas, Portugal são vocês. Vocês têm nos pés uma oportunidade que os nossos médicos, advogados e políticos nunca terão nas mãos. Têm a possibilidade de mudar em campo a opinião que o mundo tem de nós, de mostrar que não somos fracos e preguiçosos, sempre fomos e continuamos a ser um povo honesto, lutador e corajoso. Quando queremos, somos os melhores do mundo. Nove séculos de história não se deitam assim para o lixo. Não temos nada a provar, mas há um futuro para defender. Desta vez, estamos todos em jogo. Somos onze por todos e todos por onze.”

A ouvir a carta do Guilherme estão embevecidos e babados os jogadores num abraço cordial e colectivo apela à união e à comunhão dos diversos talentos. Não sei se percebiam o discurso, se posavam para uma cena previamente ensaiada mas uma coisa é certa. Não se conseguem alhear do discurso completamente demagógico, nacionalista e manipulativo das paixões e dos sentimentos de cada um. Por trás um coro efusivo de homens que vibram e aplaudem aqueles que, na opinião do Guilherme, podem fazer a diferença para o futuro, em prole da salvação nacional.

Esta carta e a mensagem que encerra é simplesmente insuportável. Identificar-se a Pátria com a Selecção e a Selecção com uma junta de salvação nacional é deplorável e funesto. Portugal não é apenas uma selecção de futebol. Tal como Portugal não é o Benfica, o Sporting ou o Porto. Tal como Portugal não é Rosa Mota, Eusébio, Afonso Henriques, Nelson Évora, Luís de Camões ou qualquer outro que se tenha destacado por qualquer motivo. Todos eles são Portugal e, de uma forma ou outra, todos eles fazem ou fizeram brilhar a auto-estima nacional. Trabalham ou trabalharam por isso.

Querer politizar da forma como o Guilherme faz nas suas comparações é endeusar alguns e esquecer o país real. Aliás, Portugal é um país cuja expressão demográfica – por muito que gostasse – não se consegue identificar com a “população” seleccionada por Paulo Bento. Nem em termos financeiros, nem em ostentação de meios de riqueza ou artigos de luxo, nem – tão pouco – em estadias e/ou deslocações pagas em representação da entidade empregadora. Depois, em termos de prémios por objectivos, por cá, os que eventualmente os podem merecer, estão em “maus lençóis” atacados por uma esquerda que acha que os ricos têm a culpa de tudo e pela austeridade que se vive e faz com que hajam cortes ou simplesmente suspensões de algumas remunerações.

O Guilherme, com paleio galanteador, precisa que lhe ensinem que não são os jogadores da selecção que têm a possibilidade de mudar a opinião que o mundo tem de nós. Isso – tendo em conta os anos de desvarios das contas públicas e da vivência acima das reais possibilidades de quase todo um povo, meu caro Guilherme, está a acontecer. Saiba o menino que está a conseguir-se com muito sacrifício, suor e lágrimas de milhares e milhares de famílias a atravessarem enormes dificuldades. Está a ser alcançado com um enorme esforço para endireitar as contas públicas e privadas à custa de uma enorme abnegação e coragem. Está a ser alcançado com reformas e mudanças de paradigmas que são “dolorosos” mas necessários e têm demonstrado uma enorme capacidade de resiliência para recuperar das adversidades.

O Guilherme precisa de saber que, seja quais forem os resultados que a nossa Selecção de Futebol alcance, a nossa História de nove séculos nunca será deitada para o lixo; e, apesar de muitos quererem reciclar alguns dos seus períodos, a nossa História não será nunca uma história da carochinha.

Realmente, Guilherme, não temos nada a provar e, sim, concordo, temos um futuro para defender. Esse futuro não acaba nem se esfuma nos pés dos jogadores da Selecção. Ele é defendido todos os dias, por medicos, advogados e politicos (mencionados no início da carta) mas, também, por trolhas, polícias, pedreiros, carpinteiros, sem-abrigo, desempregados, militares, escriturários, contabilistas, reformados, donas de casa, artistas, estudantes, emigrantes, pescadores, telefonistas, operários, enfermeiros, arquitectos, engenheiros, empregados de balcão, cozinheiros, ….. , …

Estamos todos em jogo! Diz o Guilherme: “Somos onze por todos e todos por onze.” Discordo. Não há cá onze, nem doze, nem cem, nem mil. Somos 10.581.533 e todos somos chamados a SER Portugal onde quer que nos encontramos a espalhar os nossos dons e talentos, com responsabilidade, e sem esquecer a moral e a ética. Essa é a marca que deixamos. Essa é a nossa “obrigação” enquanto cidadãos. Claro que vibramos com os feitos da Selecção mas o Guilherme perdeu uma oportunidade soberana de terminar em beleza a carta mais demagógica escrita por uma criança grande. Que bem que a carta ficaria terminada se a seguir ao lema: “Somos onze por todos e todos por onze”, o Guilherme se tivesse lembrado de sugerir que os “onze por todos” doassem parte dos seus prémios para ajudar tantos e tantos do povo que é o deles e está a passar por circunstâncias tão críticas.

Será que a Galp não quererá dar a hipótese a uma Guilhermina qualquer de fazer uma carta enaltecendo o povo português que, a despeito de algumas manipulações e tentativas de perturbações e desordens, se tem sabido manter ao leme dos seus destinos e sendo um exemplo para os seus pares na Europa e no Mundo? Vá lá, ó Galp, até que o povo merece assim uma onda publicitária que lhe mantenha a auto-estima em níveis resilientes para o combate e vitória sobre as adversidades!


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